quarta-feira, 16 de janeiro de 2013

Historicismo



Ao longo da história, foram criadas e estudadas concepções de ciência social e conhecimento social. Vertentes, talvez das mais estudadas, foram o positivismo e o marxismo. Além dessas concepções existem outras que não devem ser esquecidas ou negligenciadas, este é o caso do historicismo. O historicismo não é igual a nenhuma dessas vertentes, mas pode ser relacionada com cada uma das duas. 
O historicismo é uma das mais importantes correntes de estudo do conhecimento social, ciência social. Uma característica geral do historicismo é que ele tem com base três hipóteses fundamentais: 
1- Qualquer fenômeno social, cultural ou político é histórico e só pode ser compreendido dentro da história, através da história, em relação ao processo histórico;
2- Existe uma diferença fundamental entre os fatos históricos ou sociais e os fatos naturais. Em consequência, as ciências que estudam estes dois tipos de fatos, o fato natural e o fato social, são ciências de tipos qualitativamente distintos;
3- Não só o objeto da pesquisa é histórico, está imergido no fluxo da história, como também o sujeito da pesquisa, o investigador, o pesquisador, está ele próprio, imerso no curso da história, no processo histórico.
Com isso, pode-se enfatizar que uma marca importante do Historicismo é a questão de que o historiador ou pesquisador é um elemento que está dentro da história, ele não está vendo os fatos de fora, não está só observando a distância. Ele está imerso nessa história. 
O historicismo surge no final do século XVIII e inicio do século XIX com um caráter conservador (ou até retrógrado) e tinha como objetivo legitimar as instituições existentes na Alemanha e Prússia. Por essa característica conservadora, o historicismo condenava as revoluções, sobretudo a Revolução Francesa, e também, condenava o capitalismo. Com isso, a concepção historicista ganha um formato muito ligado ao passado, torna-se essencial a visão histórica dos fatos. 


Droysen, um importante historiador, traz uma perspectiva do relativismo que muito influenciou e acrescentou ao historicismo. Ele ataca a perspectiva de que a história possa ser uma ciência totalmente objetiva. A “objetividade dos eunucos”, como Droysen chamava, não podia ser real, pois um historiador de verdade não podia ser alguém neutro. Para ele, a verdade era relativa, pois estava regida dentro do ponto de vista do historiador, sendo que esse ponto de vista era o resultado de convicções (políticas e religiosas), de estudos e da pátria desse historiador. Sendo assim,.pode-se afirmar que não existe uma única verdade, existem várias verdades que são resultado do ponto de vista e convicções particulares. Os fatos são reais, mas as verdades construídas a partir disso, não podem ser neutras, elas são parciais e unilaterais, pode-se ser a favor ou contra, de acordo com Droysen.
No final do século XIX, um caráter mais relativista começa a ser incorporado no historicismo, talvez por não conseguir mais sustentar seu caráter conservador. Nesse processo de transição entre o antigo e o novo, os intelectuais também se colocaram em posição de transição e de duvida. O historicismo deixando o seu lado conservador e se aproximando ao relativismo, ganhou a presença do grande, e talvez maior, representante, o alemão Wilhelm Dilthey. 
Dilthey é um dos primeiros representantes da nova guinada acadêmica promovida pela historicidade. Sua primeira e grande contribuição foi tratar da diferença entre ciências naturais e ciências sociais. O autor pauta sua obra pela distinção entre Ciências Humanas e Ciências Naturais, estabelecendo assim três critérios de separação. O primeiro faz referência a perspectiva de análise das Ciências Sociais, onde o sujeito e objeto coincidem, o homem estuda a si. Já nas Ciências Naturais o homem estuda um objeto que lhe é exterior. O segundo critério acaba tendo relação com o primeiro, Dilthey afirma que nas Ciências Sociais o juízo de valor é inseparável do juízo de fato, justamente pela fluidez do sujeito e objeto. Por fim, o historicismo também vai acrescentar o elemento da “compressão” no método de estudo, não bastaria explicar os fatos sociais, o importante seria compreendê-los. Ao contrário das ciências duras, a análise não pode ficar restrita puramente ao exterior, o estudo agora precisa abordar os sentidos, significados, chegando descrição do fenômeno.
As Ciências Sociais passam a ser vistas como produtos históricos, tendo assim sua validez limitada pelo período abrangido. As verdades do campo são relativas, diferenciando-se das verdades absolutas das Ciências Exatas. Na sua obra mais famosa, “Teoria das Visões de Mundo”, Dilthey defende uma visão de um sistema de pensamento societal pautado pelo caos, instabilidade e fragilidade teórica. Descrevia e acreditava numa limitação e fragmentação das dimensões sociais tornadas inteligíveis pelos seres humanos.
A Ciência do Social será marcada pela contradição e ambiguidade desse movimento. Ao mesmo tempo que ambiciona a objetividade, vivencia  a multiplicidade de perspectivas acerca dela. O autor vai relatara um sonho que ilustra bem sua angústia com essa questão. No sonho temos o encontro dos filósofos clássicos, com os modernos e materialistas. Durante o encontro as distinções ficam cada vez mais claras, o autor relata sua mudança de lado ocorrendo a cada momento. Ao final abando o grupo e permanece sozinho, carregando suas dúvidas daquela situação inconciliável.
Talvez essa seja a maior virtude do autor. Dilthey não cai na vala comum das explicações a partir dos consensos, numa defesa de uma unidade na diversidade. Dilthey segue coerente na explicação de um relativismo que muitas vezes é inconciliável, ao mesmo tempo que apresenta uma crítica e receio ao relativismo total, não existindo verdade objetiva, não havendo assim conhecimento da realidade. Dilthey recusa esse cetismo, embora não apresente solução para o problema.
A pergunta feita ao longo de sua produção pode ser resumida da seguinte forma:  “Como que um conhecimento é historicamente limitado, unilateral, relativo e objetivo, ao mesmo tempo que universalmente válido?”. Simmel foi ser maior sucessor, sociólogo alemão que questionou a perspectiva positivista. Simmel ponderava a afirmação de que a ciência era imagem do mundo em reflexo. A explicação de autores como Comte, não poderiam ter validade sobre a ciência da sociedade. Ciência construída  como produto social, carregada de valores, mais comparável a uma pintura do que um reflexo de espelho.
Simmel, tem uma grande desvantagem com sua solução ao relativismo. Ele não quer ficar apenas no dilema, procura achar uma solução especificamente um atalho que seria achar um complemento recíproco dos vários pontos de vista  pois anteriormente era tudo unilateral, unindo esses pontos em síntese, teríamos a “verdade objetiva”. Para ele, poderia juntar um ponto de visão de cada um, chegando em uma visão multilateral  e rica em reflexões diferentes. Porém, o autor considera tudo isso como uma ilusão.
A primeira crítica seria o que Max Weber disse: as soluções intermediárias não são em nada mais objetivas que as soluções extremas. Outra crítica, é que as sínteses não teriam fundos nem limites, seriam infinitas, cada uma tentando ser melhor que a outra. Tudo voltaria ao início, com várias sínteses querendo ser verdadeira e objetiva e o ecletismo não evoluindo em nada. É então que encontramos na trajetória o historicismo, descobrindo a relatividade histórica do conhecimento descobrindo limites, desmistificou as ilusões positivistas de um conhecimento monárquico, mostrou a relevância dos detalhes por menores e da diferencia entre o conhecimento social e os conhecimentos das ciências naturais. Tendo ainda não conseguido superar o relativismo. Então, aparece a última forma de historicismo, sociologia do conhecimento de Karl Mannheim, pensador húngaro de cultura alemã. Mannheim foi aluno de Simmel. Nos primeiros artigos do aluno, ele avança para dois conceitos que ambos podem ser traduzidos como “determinação existencial.” O autor descorda dessa tradução, preferindo “dependência em relação a posição social.” Mas o que Mannheim quis dizer, é que todo conhecimento está vinculado de uma posição social determinada, ou talvez de um ser social determinado. Ele coloca pequenos conceitos marxistas no historicismo relativista dando uma grande evolução para o historicismo.
Mannheim introduz o materialismo histórico do Marx, dizendo que o conhecimento também é socialmente relativo em relação há várias coisas mas principalmente, a classes sociais. Ele corre um risco ao relativismo de onde encontrar a verdade objetiva. Em primeiro lugar, Mannheim considera o relativismo como caminho único e melhor para alcançar qualquer teoria social do conhecimento. Em contradição ao absolutismo do positivismo, ele considera melhor o relativismo absoluto (que aceita qualquer opinião, é parcial, limitada, unilateral etc). Ele então, tentará ao máximo exaltar o relativismo para depois analisar as produções relativas para fazer uma síntese.
Mannheim  tem maneiras diferentes de focar a realidade dentro de uma classe social, grupos religiosos ou partidos políticos. Ele sabe que a mais importante é a classe social. Ele  se apropriou de muitos elementos do marxismo, sendo alvo até de críticas de que ele seria um marxismo disfarçado.  Partindo de Marx, Mannheim estrutura o conceito de ideologia total que seria um estilo de pensamento vinculando-se a uma posição de classe.
Sintetizando, Mannheim se atribui aos Intelectuais flutuantes ou desvinculados que, não possuem ligamento ao positivismo devido a três elementos que os caracterizam: a falta de vínculos sociais; confrontarem com diversos pontos de vistas e; apesar de originarem de comunidades diferentes, ao conviverem entre si, possuem um ponto de vista comum entre eles.
Porém, surgiram inúmeras polemicas que rodearam o assunto. O Marxista Lukács, por exemplo, questiona em sua obra o porquê que todos se aplicam ao relativismo, exceto os intelectuais flutuantes e como, também, eles não se vinculam a uma posição social. Lucien Goldman indaga também, porque os intelectuais teriam uma perspectiva menos parcial do que os demais profissionais? Mannheim justifica esse privilégio de seus intelectuais pelo fato deles pertencerem a uma classe social particular, tendo uma posição social dinâmica e objetiva.
Apesar de todos seus argumentos, de acordo com a teoria gravitacional, tudo o que flutua deve cair em um determinado momento, ou seja, os intelectuais flutuantes não podem continuar sento imparciais para sempre, uma hora cairiam ou para um lado ou para outro, consciente ou inconscientemente.  A intenção dos intelectuais de não representar nenhuma das classes, pretender estar por cima delas ou de forma intermediaria é, na verdade, uma classe já determinada, que seria a chamada pequena burguesia, ou a classe média. 
Apesar de tentar dar uma resposta antimarxista, Mannheim estava preso a uma problemática que era, de fato, marxista, pois os dois partem da ideia de que é de termos sociais que se define o portador do conhecimento objetivo.  Devido a essa contradição, Mannheim é acusado pelos positivistas de ser um marxista disfarçado e tem todas duas teses rejeitadas.
Em 1936, Mannheim abandona todas as suas teorias e propõe uma nova solução para a problemática do relativismo. A resposta que ele apresenta então, baseia-se no caráter limitado e socialmente condicionado da sociologia do conhecimento. Todos os sociólogos tomam um conhecimento de limites ideológicos e do próprio conhecimento.  Assim, eles se submetem a uma analise autocrítica, caminhando para o autocontrole e para a autocorreção e, consequentemente, ao conhecimento científico objetivo. 
Com esse pensamento, Mannheim contribui bastante para a sociologia do conhecimento, mas, apesar disso, ele retorna a uma posição positivista, empobrecendo-se teórica e cientificamente.

DEBATE (LOWY, 1995, PP. 87 a 92)

Todos esses autores, ao colocarem o problema da realidade objetiva, por mais que eles distingam a ciência natural da ciência social, caem numa posição racionalista ao afirmarem a existência de uma realidade objetiva?

Será que nas ciências naturais se pode falar em um conhecimento neutro? Será que o conhecimento científico das ciências naturais é realmente do tipo dois mais dois são quatro, que isso vale em qualquer lugar, que não tem nada a ver com o ponto de vista subjetivo, ideológico?

Existe paralelismo entre o historicismo e o marxismo?

O que Mannheim diz sobre o intelectual flutuante poderia se aplicar à burocracia, seja dos países capitalistas, seja dos países socialistas?




Referência bibliográfica
LOWY, M. Ideologia e Ciências Social., SP, Cortez Editora, 1995